História

XXI

A cortiça não para de surpreender o mundo. O mercado foi surpreendido com uma inovação absoluta: um banco de automóvel com o assento feito em cortiça que reduziu para metade o seu volume e tornou-o três vezes mais leve que os bancos tradicionais. O extraordinário desta invenção é que cada um destes novos bancos consegue subtrair 45 quilos a um carro normal, ajudando assim a resolver dois dos grandes problemas do setor automóvel: o peso e o volume. Constituída em 60% por cortiça moída, esta almofada, além de oferecer mesmo conforto com metade do volume, tem ainda a vantagem de poder ser reciclada. O banco é um projeto nacional concebido a partir de know-how inteiramente português – design, suporte técnico-científico -, e, embora ainda esteja em fase de protótipo, já seduziu a Magna, a líder mundial de componentes automóveis que efetuou encomendas de mais de 300 milhões de euros. O desafio para este século continua. As propriedades  da cortiça continuam a ser exploradas e há sempre novas aplicações – Decoração, Desporto, Moda, … – que surgem em várias partes do planeta e que confirmam que este material é inimitável e capaz de fascinar profissionais de diversas áreas.

XXI

Por fim, tudo indica que no século XXI, a cortiça voltará a gozar o respeito e a admiração que os gregos e os romanos lhe devotavam enquanto matéria-prima nobre e multifuncional. Não só a reputação das rolhas naturais como vedantes de excelência permanece imaculada, como neste século em que a preocupação ambiental se tornou uma constante, o recurso a um material ecológico, reciclável e reutilizável como a cortiça tem vindo a crescer, sobretudo em áreas inovadoras como o Design para a Sustentabilidade e o Eco-Design. Cada vez mais, novas gerações de artistas procuram criar objetos do quotidiano – artefactos de mesa, de cozinha, de lazer, mobiliário…- a partir de “frutos da terra”, materiais cem por cento naturais e que contribuam para a sustentabilidade ambiental. Em Portugal, por exemplo, o aproveitamento das potencialidades da cortiça tem vindo a crescer de forma exponencial.

XX

Já nas últimas décadas, surgem diversas iniciativas que visam a investigação e a definição de normas internacionais para a indústria da cortiça e onde se destaca a Confédération Européenne du Liège (C.E. Liège), fundada em 1987. Formada por federações de cortiça pertencentes a vários países, esta organização apresenta, em 1996, o Código Internacional de Práticas Rolheiras, um documento essencial para o controlo de qualidade na produção de rolhas. Este documento descreve e regula os respetivos processos de fabrico e ainda hoje continua a ser permanentemente revisto e atualizado segundo um nível de exigência cada vez maior. O lançamento do CIPR foi o resultado da iniciativa Programa Quercus, um projeto sustentado pela Comissão das Comunidades Europeias e pela C.E. Liège, destinado a diagnosticar e eliminar as causas e os componentes passíveis de causar o detestado “sabor a mofo”.

XX

No século seguinte, a indústria corticeira dos vários países produtores investe cada vez mais em inovação e desenvolvimento lançando para o mercado produtos variados. Logo em 1903, aparecem as rolhas com discos de cortiça natural e corpo de aglomerado. Alguns anos mais tarde, são registadas patentes para a utilização da cortiça em correias de transmissão e em pneus e, durante a Segunda Guerra Mundial, este material passa a ser utilizado em múltiplos equipamentos militares. Nos anos cinquenta, uma empresa americana produz os primeiros ladrilhos de cortiça aglomerada para revestimento cobertos com película vinílica.

Pela importância que a cortiça começa a assumir para Portugal, nasce, em 1956, a Associação Portuguesa da Cortiça, mas sob o nome de Grémio Regional dos Industriais de Cortiça do Norte (história da APCOR).

XIX

Durante o século XIX, França, Itália e Tunísia resolvem aderir à exploração sistemática dos montados de sobro e países tão diferentes como a Rússia ou os Estados Unidos dão também início ao plantio destas árvores. Este será um século marcado pelo enorme desenvolvimento da indústria rolheira: no Reino Unido é patenteada a primeira máquina de fabricação de rolhas, surgem os novos equipamentos auxiliares como as máquinas para as contar e calibrar e, pela primeira vez, utilizam-se novas aplicações industriais para a cortiça como o aglomerado simples ou branco para parquet descoberto pelos americanos. Em Reims, França, inicia-se o fabrico de rolhas de duas peças de cortiça natural coladas.

XVIII

Mas o princípio da exploração sistemática dos grandes sobreirais que caracterizam a Península Ibérica, e que ainda hoje subsistem na Catalunha e em Portugal, só se dá a partir do século XVIII, quando a produção de rolhas de cortiça se torna o principal objetivo. É também nesta altura que surgem os primeiros trabalhos sobre a sua constituição química desenvolvidos por um químico italiano de nome Brugnatelli, bem como o primeiro compêndio sobre a subericultura (o cultivo de árvores da família Suber). Azinheiras, Sovereiras e Carvalhos da Província de Além-Tejo, é publicado em 1790 e assinado por um português, Joaquim Sequeira.

XVIII

No século XVIII, enquanto em Inglaterra o físico Robert Hooke conseguia obter a primeira imagem microscópica da cortiça usando um microscópio que ele próprio desenvolvera; em França, o monge beneditino francês Dom Pierre Pérignon, tesoureiro da Abadia de Hautvillers, iniciava-se no uso da cortiça com a qual vedava as garrafas do seu famoso champanhe Dom Pérignon. Uma escolha que se prolongou no tempo (foi adotada em 1729 pela Ruinart e em 1743 pela Moët et Chandon) e que ainda hoje se mantém.

XVI

Em pleno século XVI, a cortiça surge representada na janela da Sala do Capítulo, no Convento de Cristo em Tomar, Portugal, e é utilizada como revestimento de celas do Convento dos Capuchos, em Sintra, e o das Carmelitas, no Buçaco.

XIII

Portugal pode orgulhar-se de ter sido pioneiro em matéria de legislação ambiental, pois as primeiras leis agrárias que protegem os montados de sobro surgem no início do século XIII, em 1209. Mais tarde, durante as Descobertas, os construtores das naus e caravelas portuguesas, que partiram à descoberta de novos mundos, utilizavam a madeira de sobreiro no fabrico das partes mais expostas às intempéries. Defendiam que o “sôvaro”, como então se dizia, era o que havia de melhor para o liame das naus: além de super resistente, jamais apodrecia.

I A.C.

Vinho e cortiça são dois produtos que há muito se complementam. Assim o prova uma ânfora datada do século I a.C e encontrada em Éfeso: não só estava vedada com uma rolha de cortiça como ainda continha vinho. Mais tarde, no século I, o conhecido naturalista romano Plínio faz uma nova e extensa referência ao sobreiro na sua célebre História Natural e explica que na Grécia essa árvore era adorada como símbolo da liberdade e da honra, razão pela qual só os sacerdotes a podiam cortar. Nessa obra pode ler-se que o sobreiro costumava ser consagrado ao Deus olímpico Júpiter e que as suas folhas e ramos serviam para coroar os atletas vencedores. Já em Pompeia, a cidade romana destruída pela brutal irrupção do Vesúvio, foram encontradas ânforas de vinhos vedadas com cortiça.

IV A.C.

Apesar das suas múltiplas utilizações, há séculos que o mais fiel embaixador da cortiça no mundo é a rolha natural, vedante de qualidade excecional ainda hoje preferido e requisitado pelos grandes produtores de vinho. Mas ao longo da História, muitas são as referências a este produto e às suas variadas aplicações. No ano 3000 a.C,a cortiça já era utilizada na China, no Egito, na Babilónia e na Pérsia para fabrico de aparelhos destinados à pesca. Em Itália encontraram-se vestígios datados do século IV a.C, de vários artefactos como boias, tampas para tonéis, sapatos de mulher e telhados de casas. É também desta época uma das primeiras referências feitas ao sobreiro e escrita pelo filósofo grego Teofrasto que, nos seus tratados sobre Botânica, refere, maravilhado, “a faculdade que esta árvore possui em renovar a casca quando esta lhe é retirada”.

XVIII

As primeiras referências à cortiça datam de 3000 a.C. no Egito e na Pérsia, onde era utilizada em aparelhos de pesca. As suas propriedades únicas também eram conhecidas dos Babilónios, Assírios e Fenícios. Durante o período clássico greco-latino, foi geralmente utilizada para a construção de flutuadores de vários tipos, colmeias, solas para sapatos e batoques. É com o vinho que a cortiça mantém a relação mais forte e expressiva. Desde que o homem passou a produzir e a consumir vinho que a cortiça surge como o material perfeito para vedar os recipientes utilizados na sua conservação – ânforas, barris, garrafas. O aproveitamento industrial da cortiça, em grande escala, só começou a desenhar-se no último quartel do século XVIII, estimulado pelo uso crescente dos recipientes de vidro no fracionamento dos vinhos.

XXI

No século XXI, é uma das matérias-primas com mais destaque na área das novas aplicações. Na moda, no desporto, nos transportes, na construção e decoração, a cortiça continua a surpreender. Está nos vaivéns da NASA e da ESA, nos caiaques de alta competição, nas bolas de ténis e de críquete, faz parte dos efeitos especiais de filmes de Hollywood, tapa o whisky mais caro do mundo, incorpora peças de design internacionalmente premiadas, e anda nos pés de muita gente.

XV

A história da cortiça entrecruza-se com a da Humanidade. Agradou a gregos, romanos, egípcios, chineses, babilónios, assírios, fenícios e persas. Povos que cedo descobriram o potencial da casca do sobreiro numa infinidade de objetos do quotidiano. Muito antes de Cristo nascer, a cortiça já era utilizada em sapatos, boias e aparelhos de pesca. Foi usada para isolar do frio e da humidade as celas dos conventos. Nos séculos XV e XVI foi aplicada nas caravelas que levaram os descobridores portugueses à descoberta do Mundo. A cortiça foi atravessando os séculos, valorizando as suas caraterísticas, afirmando as suas potencialidades, conquistando terreno.

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