Entrevista a David Baverstock

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Entrevista a David Baverstock

Um australiano tranquilo

Chama-se David Baverstock, é um dos mais reputados enólogos da actualidade e assina os afamados vinhos da Herdade do Esporão, uma referência incontornável naquela que é já a segunda região vinícola portuguesa, o Alentejo.

A tarde pôs-se morna, sem vento. O Outono tarda em chegar e nem uma brisa encrespa a planura lisa e brilhante das águas, uma mancha azulada num imenso tapete cor de terra bordado a sobreiros, azinheiras e oliveiras. Debruçada sobre a barragem, arcos rasgados sobre a paisagem a perder de vista, a Casa do Enoturismo da Herdade do Esporão convida a entrar, a provar os fabulosos vinhos da propriedade, as muitas iguarias alentejanas que aqui se servem ou, simplesmente, a deixar-se envolver pela serenidade do lugar.

Quinhentos hectares de vinha circundam esta herdade situada em Reguengos de Monsaraz, em pleno Baixo Alentejo, a pouco mais de 180 quilómetros de Lisboa e, onde desde 1989, se produzem alguns dos mais afamados vinhos portugueses.

David Baverstock, 51 anos, é o enólogo australiano que lidera a equipa responsável pelas estrelas da casa como o Esporão Reserva, o Vinha da Defesa, os muito premiados Monocastas (tanto o Touriga Nacional 2001, como o Trincadeira 97, já conquistaram o Portuguese Red Wine Trophy no mais importante concurso internacional de vinhos, o International Wine Challenge) ou a jóia da coroa, o Esporão Private Selection  Garrafeira Tinto e cuja colheita de 2003 acompanhou uma das especialidades servidas no restaurante do Enoturismo, o Bacalhau à Esporão e que se revelou uma experiência de puro prazer. Infelizmente, ao contrário do Monte Velho, o grande motor da herdade, a marca de gama média (brancos e tintos) que representa cerca dois terços da produção anual total (5 milhões de litros) ou até do prestigiado Esporão Reserva (400 mil garrafas), este Garrafeira Tinto 2003 não ultrapassa as 30 mil garrafas. Um privilégio que nem todos podem usufruir mas que vale sempre a pena procurar.

Simpático, descontraído e muito low profile, David Baverstock é dos mais reputados enólogos da actualidade e a marca Esporão uma referência incontornável naquela que é já a segunda grande região vinícola do país. Em 1999, foi considerado o enólogo português do ano e, em 2002, teve direito a um artigo na revista Time que o incluiu no restrito grupo dos “flying winemakers”, os enólogos australianos que se tornaram conhecidos por terem revolucionado mundialmente a técnica de produção de vinho, desde o Napa Valley na Califórnia, aos solos sagrados de França.

Originário de Adelaide, Portugal começou por ser um destino de férias quando, recém-formado, resolveu partir para a Europa para vindimar em França e na Alemanha, os países que, em finais da década de setenta, eram uma referência no mundo vinícola. Foi aqui que conheceu a futura mulher, uma lisboeta que ainda o acompanhou nos seus primeiros dois anos de vida profissional no célebre Barossa Valley (a mais conhecida região de vinhos da Austrália), mas que contribuiu para o seu regresso a Portugal, desta vez com o intuito de produzir brancos e tintos de qualidade. Corria o ano de 1982 e o país estava já politicamente estabilizado, embora “não se passasse nada no sector dos vinhos de mesa”. Como não encontrou trabalho nesta área, dedicou-se ao vinho do Porto: passou pela Croft (1983/1984) e pelo Grupo Symington (1985/91), mas a sua estreia com os primeiros grandes tintos do Douro deu-se com o Quinta de la Rosa (1991/2002) onde trabalhou como enólogo consultor.

Seguiu-se a criação e o lançamento do prestigiado Quinta do Crasto, tendo sido responsável por este vinho entre 1994 e 1999. Em 1992, tornou-se director técnico da Herdade do Esporão e, desde então, o desenvolvimento tem sido quase exponencial com o Brasil, os Estados Unidos e Angola a surgirem como os principais mercados de exportação. “Se quando aqui cheguei apanhávamos mil toneladas de uva, hoje apanhamos quase nove mil”, explica. Além dos DOC (Denominação de Origem Controlada) Esporão, Vinha da Defesa, Reserva e Garrafeira e dos regionais (Reguengos) Monte Velho ou dos vários Monocastas, a Herdade produz ainda o Alandra (branco, tinto e rosé), um vinho de mesa mais corriqueiro e barato, com um posicionamento jovem e divertido e que após um restyling recente, viu as suas vendas dispararem. A esta gama diversificada, acresce ainda não só um Late Harvest (Colheita Tardia), como alguns produtos inesperados para esta região alentejana – um espumante  e um vinho licoroso que funciona como um Tawny.

Rolhas de Cortiça nos vinhos do Esporão

Mas nem só da escolha criteriosa das castas, da riqueza do terroir ou do profissionalismo do enólogo se faz um grande vinho. David Baverstock sabe que a vedação de cada garrafa, sobretudo a dos tintos de guarda, não é um mero pormenor mas uma questão essencial: “Cada uma das marcas do nosso portefólio tem um molde de garrafa diferente e nós fazemos grandes estudos com os nossos fornecedores para sabermos qual é a rolha mais adequada a cada molde. Porque se a rolha for bem estudada, garante além da vedação perfeita, o estágio perfeito e a consequente evolução em garrafa com a formação do tão apreciado bouquet.”. Daí que Baverstock insista em deixar bem claro que todos os vinhos produzidos pela Herdade do Esporão são vedados com rolhas de cortiça natural, à excepção do Alandra que, por uma questão de preço (bastante inferior ao das restantes marcas), é vedado com as modernas rolhas técnicas (rolhas concebidas para engarrafar vinhos destinados a ser consumidos num prazo de um a dois anos e que são constituídas por um corpo de cortiça aglomerada com discos de cortiça natural colados em um ou ambos os topos). “O Alandra, pelo tipo de clientela que possui – jovens que ligam mais ao preço do que à tradição ou à origem –, até podia ser um veículo para introduzirmos o chamado screwcap de alumínio (cápsula de rosca), mas as rolhas técnicas cumprem perfeitamente a sua função e o preço é o mesmo,” acrescenta.

Sempre a par das últimas evoluções vitivinícolas, sobretudo as originárias da Austrália, o seu país natal que, em pouco mais de duas décadas, se transformou num dos maiores produtores mundiais de vinho de mesa, este enólogo conta que existem já alguns vinhos do Novo Mundo – os Sauvignon Blanc da Nova Zelândia  e os Rieslings australianos – , brancos jovens para consumo imediato e de gama média/baixa, que optaram por estes vedantes alternativos, os screwcaps. “Não me choca nada que utilizem screwcaps para esse tipo de vinhos. Mas no que diz respeito a todos os outros, sobretudo tintos de excelência para guardar, é absolutamente impensável utilizar uma rolha que não seja de cortiça natural.” E insiste: “Estudos realizados recentemente na Austrália, compararam vinhos tintos vedados com cápsulas de alumínio, com vinhos vedados com rolhas de cortiça natural. Ao fim de dez anos, os primeiros estavam exactamente iguais e não apresentavam qualquer evolução, enquanto os segundos tinham evoluído positivamente, apresentando o tão necessário bouquet, o que só confirma que a cortiça, devido às suas estruturas celular específica, contribui para essa evolução”. Aliás, no que diz respeito a rolhas, David Baverstock fala com a certeza de quem já pensou e estudou cuidadosamente o assunto. Juntamente com um dos enólogos do Grupo Sogrape, foi convidado pelo CTCOR (Centro Tecnológico da Cortiça) a provar os primeiros ensaios resultantes da aplicação do processo Symbios, uma forma inovadora de tratar as rolhas de cortiça natural que previne o aparecimento do TCA, o composto responsável pelo temido “sabor a mofo”. “Foi uma experiência interessantíssima e com resultados muito satisfatórios, pois notou-se uma clara influência desse processo na evolução positiva do vinho,” conclui.

Texto: Leonor Vaz Pinto
leonorvazpinto@gmail.com
Fotos: Victor Machado
vmachado@iol.pt
Ano: 2006

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