Entrevista a Francisco Ferreira
Em busca da excelência
Fiel à tradição familiar, Francisco Ferreira trouxe fama e prestígio à Quinta do Vallado, cujos vinhos são já uma referência no millieu internacional.

“Quando se dá a primeira demão, as paredes ficam verdes mas depois, a tinta oxida e ganha esta cor final. Com o sol e o passar do tempo, vai queimando e ganhando diferentes tonalidades”, explica com entusiasmo Francisco Ferreira, 34 anos, o responsável pela gestão agrícola e de produção do Vallado, uma das muitas quintas que pertenceram a Dona Antónia Ferreira, a célebre “Ferreirinha da Régua”, aliás sua tetravó. Situada a cerca de cinco quilómetros de Peso da Régua, a propriedade estende-se por ambas as margens do rio Corgo, bem próximo da desembocadura do Douro, numa sucessão de edifícios – casa, armazéns, escritórios, adega, balões de armazenamento… –, construídos em diferentes socalcos, de forma a acompanhar os típicos desníveis do terreno que caracterizam a região duriense.
Na posse da família Ferreira desde 1818, durante mais de um século, limitou-se a cultivar uvas para o fabrico de vinho do Porto da conhecida empresa, também familiar, Porto Ferreira. Mas quando esta, em 1987, é vendida ao Grupo Sogrape, o Vallado decide tornar-se produtor/engarrafador, avançar com uma marca própria e assim aproveitar o seu excelente terroir,ganhando não só prestígio, como uma óbvia mais-valia. “Desde a década de quarenta, quando o meu avô passou a ser o único proprietário, que a minha família tem vindo a fazer grandes investimentos nesta quinta,” conta Francisco Ferreira. “Primeiro, começámos por investir na vinha e aumentar a área de produção. Mais tarde, já com o meu pai, Jorge Cabral Ferreira, voltámos a comprar mais vinha e a realizar uma série de infra-estruturas como, por exemplo, a construção da actual adega, recentemente modernizada.”
Mas com a morte prematura de Jorge Ferreira em 1992, a quinta passa a ser gerida pelo seu cunhado, Guilherme Álvares Ribeiro e a sua irmã, Maria Antónia Ferreira. “Sempre ouvi dizer que tanto o meu pai, como o José António Rosas foram, na sua geração, os dois grandes visionários e apaixonados do Douro”, recorda. E acrescenta, sem disfarçar o orgulho: “Há trinta anos atrás, o meu pai comprou a Quinta da Leda para a Porto Ferreira e o José Rosas, a Quinta de Ervamoira para a Ramos Pinto, duas propriedades situadas no Douro Superior, em locais inóspitos e inacessíveis. Foram considerados loucos. Hoje, são o porta-estandarte das respectivas empresas, produzindo vinhos de altíssima qualidade.”
Dos cinco filhos de Jorge Ferreira, Francisco foi o único a herdar a paixão do pai pelo Douro e assim, em 1995, começa a acompanhar, ainda que a tempo parcial, quera reestruturação das vinhas, quer as vindimas, encontrava-se então a completar a sua licenciatura em Engenharia Agrícola na UTAD – Universidade de Trás-dos- Montes eAlto Douro, uma escolha ditada pela vontade de se dedicar à quinta.
Na Quinta do Vallado, o primado da qualidade impõe-se, inclusivamente, nos pequenos grandes pormenores como na escolha do vedante mais indicado para os seus vinhos: Obviamente, rolhas de cortiça natural.
Mas a dedicação passa a ser total a partir de 1997, ano em que finaliza os estudos e em que sai o primeiro Quinta do Vallado Douro tintoe branco, uma produção de 17 mil garrafas para o primeiro e de 9 mil para o segundo. Desde então, com a ajuda do enólogo Francisco Olazabal da Quinta de Vale Meão e também ele descendente da Dona Antónia Ferreira, a Quinta do Vallado tem vindo a lançar para o mercado cada vez mais e melhores vinhos. Se, actualmente, a produção do Vallado Tinto anda na ordem das 120 mil garrafas, as colheitas de 2003 e de 2004 do topo de gama da marca – o Quinta do Vallado Reserva –, bisaram dois dos prémios anuais internacionais de maior prestígio, a medalha de ouro do International Wine Challenge e o Douro Trophy. Também a bíblia das publicações para o sector, a norte-americana Wine Spectator, concedeu 94 pontos aoReserva 2003, garantindo-lhe um honroso 28º lugar no seu sempre aguardado Top 100 anual.Razões mais do que suficientes para que hoje, ambos façam parte do restrito mas conhecido grupo dos Douro Boys, a nova geração de enólogos durienses que tanta fama e galardões tem trazido à região.
Francisco refere ainda que a base do Reserva, que só é lançado em anos de qualidade excepcional, é vinha velha de baixa produção mas que dá uma grande estrutura ao vinho: “Além disso, por ter várias castas misturadas, dá igualmente uma grande complexidade. Também já introduzimos alguma Touriga Nacional proveniente dos 45 hectares que replantámos com vinha nova, mas só se tiver muita qualidade como é o caso das colheitas de 2003 e 2004”. E insiste, convicto: “Para nós, o que conta é a qualidade, a quantidade é sempre secundária.”

Daí que o primeiro Reserva só saia em 1999, já depois de modernizarem a velha ade ga construída para vinificar grandes volumes de vinho do Porto e, por isso, dotada de muito pouca tecnologia. “Esta adega mais pequena foi feita a pensar em menores quantidades de maior qualidade, para termos mais controlo da vinificação(temperatura,remontagens,….), enfim, para vinificarmos um vinho mais aperfeiçoado e em que controlamos melhor as várias fases do processo.” Segue-se o Reserva de 2000, o de 2003 e o de 2004, este último uma produção de 18 mil garrafas que se venderam de imediato. “Se o dobro produzisse, o dobro vendia”, confessa, referindo também que o Vallado exporta cinquenta por cento da produção total, sobretudo para os Estados Unidos da América, Brasil, Canadá e Inglaterra.
Acresce ainda a este portefólio não só os já referidos Vallado Tinto e Branco – os únicos vinhos portugueses escolhidos para fornecer o famoso clube inglês de futebol Chelsea –, como dois Portotawnies de 10 e 20 anos, ambos excepcionais e fruto de uma herança de Jorge Ferreira: “O meu pai, enquanto administrador da Porto Ferreira e desta quinta, em todos os anos de boa qualidade, ficava com um sotck de 15, 20 mil litros de vinho do Porto. Por isso, quando morreu, herdámos uma quantidade considerável, o que nos levou a lançar, há três anos atrás, estes dois Portos de excelência.”
E sempre que alguma das parcelas atinge um nível de qualidade fora de série, como aconteceu nos anos de 2003 e 2004, lançam os respectivos monovarietais (ou monocastas). “Foi o caso do nossos Tinta Roriz 03 e Sousão 03 e 04, esta última uma casta muito pouco usada aqui no Douro, mas que acredito que vai ter futuro, pois tem características únicas; uma cor inacreditável, de um preto intenso, e muita acidez natural”.
Na Quinta do Vallado, o primado da qualidade impõe-se, inclusivamente, nos pequenos grandes pormenores como na escolha do vedante mais indicado para os seus vinhos. “Obviamente, rolhas de cortiça natural,” defende Francisco Ferreira. “É o que faz mais sentido utilizar na preservação dos vinhos de guarda de gama alta e médio/alta. Na minha opinião, a rolha de cortiça é o melhor vedante que existe e, além do mais, é um produto natural que vai ao encontro das nossas preocupações pelo meio-ambiente, pois esforçamo-nos por poluir o menos possível.” Aliás, no Vallado o grau de exigência é de tal forma alto, que cada lote de rolhas tem que passar previamente pela análise cuidadosa de uma empresa independente que verifica e garante a ausência de defeitos passíveis de influenciar negativamente o vinho. É então Francisco sorri e remata:
“Fazemos tudo pela excelência do nosso vinho.”