Entrevista a José Neiva Correia
O primado da quantidade
Grandes volumes, um vasto portefólio e preços competitivos fazem a imagem de marca de José Neiva Correia e da sua DFJ Vinhos, a empresa portuguesa líder no mercado inglês. Quanto às rolhas de cortiça, as naturais são e serão sempre, o vedante mais adequado para os grandes vinhos, os chamados vinhos de estágio.

Consta que é um dos enólogos que mais vinho assinou em Portugal, tendo sido consultor de diversas marcas. “Mais de trezentos vinhos”, diz, sem falsa modéstia, José Neiva Correia, 57 anos, proprietário da DFJ Vinhos, a empresa portuguesa detentora da maior quota do mercado inglês, o equivalente a um milhão e meio de garrafas exportadas anualmente. Aliás, na DFJ Vinhos, volume e diversificação da oferta são as palavras de ordem de um negócio cujo objectivo prioritário é conseguir a melhor relação qualidade/preço em cada um dos seus produtos, de forma a manter os seus clientes sempre satisfeitos.
“Quando me pedem para definir os meus vinhos, costumo dizer que se fosse um produtor de automóveis, o meu objectivo era fazer Mercedes ao preço de Volkswagens e, eventualmente, de Skodas”, insiste José Neiva. Com vinte e cinco marcas e sessenta e quatros vinhos diferentes, oriundos de todas as regiões portuguesas, do Douro ao Algarve, a DFJ só não produz vinhos verdes e vinhos fortificados. Curiosamente, apesar da dimensão da sua produção média anual – 3,5 milhões de garrafas – , não tem vinhas, apenas vinifica, indo buscar a matéria prima aos vários viticultores do país. De realçar que a empresa escoa 90% da sua produção para os mercados externos, o equivalente 3,2 milhões de garrafas, a grande maioria marcas dirigidas a um segmento médio/baixo e de preço muito competitivo.
O seu regional Estremadura tinto Ramada, por exemplo, é líder no mercado inglês, enquanto outros tintos da mesma região como o Portada e o Manta Preta são já referências com tradição nos mercados escandinavos, representando 15% do volume exportado. Os monopólios estatais do Canadá absorvem outros 15% do total de vinhos regionais da Estremadura e Terras do Sado e, em menor escala, a DFJ está também presente quer nos EUA, quer em outros países europeus. Tanto o Ramada como o Portada – os dois vinhos com o preço mais baixo – representam 40% da produção total da empresa. Por fim, a este vasto portefólio acresce ainda os rosés – Ramada,Casa do Lago e Grand´Arte – “cada vez mais na moda” e, já com um posicionamento superior, brancos e tintos da gama alta: Grand´Arte e os premiums DOCs de Alenquer, Ribatejo e Douro, e um super premium a ser lançado este mês no mercado nacional, o Francos Reserva.
Filho de pai e mãe vitivinicultores, ambos proprietários de terras quer em Alenquer, quer Torres Vedras, José Neiva Correia nasceu e criou-se neste meio. Ainda hoje possui, juntamente com os irmãos, a Rui Abreu Correia e Herdeiros, uma empresa familiar detentora de 200 hectares de vinha, uma das maiores propriedades da Estremadura. Engenheiro Técnico Agrário de formação, começou por estagiar no Centro Nacional de Estudos Vinícolas realizando, posteriormente, etapas de aperfeiçoamento em Bordéus, França e na Alemanha. Em 1998, era já um enólogo de renome em Portugal, trabalhando como consultor para várias empresas, uma das quais a D&F Wine Shippers, a maior importadora de vinhos portugueses no Reino Unido, quando decidiu associar-se aos seus donos. Ao “D” de Dino Ventura e ao “F” de Fausto Ferraz, juntou o “J” de José e nasceu a DFJ Vinhos. Mas, em 2005, tornou-se o seu único proprietário, pois com a morte de um dos sócios, optou por comprar a totalidade do capital da empresa. Sedeada em Vila Chã de Ourique, perto de Santarém, a pouco mais de meia-hora de Lisboa, a DFJ Vinhos ocupa aquela que já foi uma das mais célebres e vastas propriedades da zona sul do país, a Quinta da Fonte Bela, um conjunto de construções imponentes e de traço insólito para a região, uma mistura de arquitectura francesa de châteaux onde não falta a telha de Marselha, com resquícios de arquitectura industrial, a julgar pela impressionante chaminé que se avista a muitos quilómetros de distância Era aqui que António Francisco Ribeiro Ferreira, um dos maiores latifundiários de Portugal, produzia, em finais do século XIX, aguardente vínica destinada à produção de vinho do Porto. Pouco a pouco, José Neiva tem vindo a recuperar as várias instalações da quinta, nove pavilhões no total (cerca de 7000 m2 de área coberta) entre armazéns, fornos, destilaria, a imensa adega em utilização com mais de vinte metros de pé direito e cubas com capacidade para 2,5 milhões de litros, bem como uma outra, desactivada, mas que é considerada a maior adega de tonéis de madeira do país, hoje utilizada para estágio do vinho em meias pipas de carvalho francês, português e americano.

Sempre atento às exigências do mercado, José Neiva sabe que a vedação de cada garrafa é um factor essencial no cumprimento daquele que deve ser o objectivo último de qualquer vinicultor: a satisfação plena do consumidor ao provar o seu vinho. Aliás, há mais de uma década, chegou a desenvolver e patentear um método de desinfecção de rolhas através do ozono (que acabou por vender ao Grupo Amorim) e que contribuía para a diminuição do teor do TCA (o composto Tricloroanisol causador do chamado “cheiro a mofo”). Apesar do seu baixo preço e da alta taxa de eficiência, devido à crescente investigação nesta área, todas as rolhas técnicas de cortiça que utiliza para vedar a sua produção anual são tratadas por arrastamento a vapor, uma técnica inovadora que, segundo explica, “consegue reduzir consideravelmente a incidência do TCA”. “Só utilizo rolhas de cortiça natural nos meus vinhos de gama alta, tintos ou brancos – DFJ Varietais eBivarietais, Grand´Arte, Francos Reserva, Escada, Francos e Consensus –, porque em todos os outros, uso rolhas técnicas. Mesmo quando comparada com os vedantes sintéticos e as cápsulas roscadas, para grandes volumes como é o meu caso, não só sai muito mais barato, como é de longe o vedante mais adequado”. E acrescenta, explicando detalhadamente e com o rigor científico de quem já investigou o problema, as razões da sua escolha: “Dos três tipos de vedantes disponíveis, para vinhos de gama média e consumo rápido, o melhor vedante é de longe a rolha técnica, seguindo-se a rolha sintética e a cápsula roscada. Isto porque, tanto na rolha técnica como na rolha sintética, existem trocas gasosas que evitam o aparecimento de tiois (compostos sulfurosos que acarretam maus cheiros). Como a cápsula roscada é completamente estanque, não permite a passagem de oxigénio que irá eliminar esses tiois, dando origem a maus odores nos vinhos, geralmente um ano depois de serem engarrafados. Ora, esta situação não acontece tão frequentemente nem com a rolha técnica nem com os vedantes sintéticos. Por outro lado, a elasticidade do aglomerado de cortiça é muito maior do que a de um material sintético, conseguindo adaptar-se de forma correcta a qualquer gargalo. No caso das rolhas sintéticas, basta haver um fornecimento de garrafas com diferenças milimétricas no gargalo, para que o engarrafamento total seja todo prejudicado, originando oxidações prematuras.”
José Neiva refere ainda que este tipo de situações tem acontecido muito frequentemente com rolhas sintéticas e, apenas num caso ou outro, com as rolhas técnicas, o que comprova a sua opinião. Quanto às rolhas de cortiça natural, não tem quaisquer dúvidas: são e serão sempre, o vedante mais adequado para os grandes vinhos, os chamados vinhos de estágio, aqueles que se guardam, preciosamente, ao longo dos anos, à espera da ocasião certa para os desfrutar.
Texto: Leonor Vaz Pinto
leonorvazpinto@gmail.com
Fotos: Victor Machado
vmachado@iol.pt
Ano: 2006